quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Relato Pessoal: Auto-superação pela reavaliação intraconsciencial

Sónia Ferreira
Lisboa, Portugal

Em maio de 2001, após vários exames médicos, descobri ter desenvolvido um carcinoma ductal invasivo (cancro da mama). Durante o período anterior, durante e posterior à remoção cirúrgica do mesmo vivenciei acontecimentos que colocaram “à prova” o meu posicionamento íntimo face à vivência do paradigma consciencial na pratica. Na verdade nunca pensei que passaria por uma experiência semelhante e que repercussões intra e extrafisicas o evento iria desencadear.

O cancro caracteriza-se pelo crescimento descontrolado de células do corpo, alimentando-se de outras células e alojando-se em vários órgãos através do sistema sanguíneo e linfático. Estas mesmas células já não obedecem ao comando do sistema imunitário sendo esta patologia considerada “autoimune” (Diciopédia, Porto Editora, 2003). Até hoje a ciência convencional tenta explicar o porquê de tal comportamento, tentando desenvolver várias terapêuticas para a manifestação física da doença. Por outro lado, do ponto da pesquisa conscienciológica, as vivências estudadas apontam para o fato de que que a saúde intraconsciencial pode ser alcançada pela manifestação equilibrada dos seus pensamentos, sentimentos e emoções cuja repercussão positiva se faz sentir na saúde física como consequência e não uma causa. 

Na minha experiência do período anterior à manifestação física da doença, passei por momentos de muito stress emocional, profissional, com posicionamentos sérios no voluntariado em que participava, no entanto sempre pensei que as sensações no corpo físico estavam relacionadas com a tensão diária a que estava acostumada. Após diagnóstico médico especializado foi-me transmitido que a malignidade do carcinoma só poderia ser verificada na própria operação e em caso afirmativo teria que ser retirada a mama pelo facto de ser muito jovem (29 anos) e o risco das células cancerígenas crescerem com rapidez era elevado.

A 1ª pergunta que fiz após a cirurgia foi se tinha sido possível preservar a mama mas a resposta foi que infelizmente não. Naquele momento para minha própria surpresa interiorizei o acontecimento e pensei “bom, aconteceu, tenho que ajudar na recuperação, vou ter que me esforçar”.

A consciência e auto-imagem

Embora sendo consciências num corpo animal na realidade física onde nos manifestamos, condicionamo-nos a pensar apenas como seres sociais. Ou seja é mais difícil relembrar que somos consciências imortais, com vivências em inúmeras vidas, dentro de um corpo denso embora resistente, perecível. Mais importante do que perder o membro físico seria sobreviver pois tinha uma programação de vida a cumprir e em uma fase posterior entender com profundidade o surgimento da patologia. Outra experiência marcante foi verificar que apesar do fato de ter tido uma modificação radical no meu corpo a minha preocupação inicial foi desdramatizar a situação, principalmente junto de uma familiar próxima, que dava muita importância ao aspeto físico e que estava preocupada comigo. O desvio do foco na assistencialidade ao outro é por si próprio um ato promotor de auto-cura pois deixamos de estar centrados apenas no nosso microuniverso e de mobilizar cargas emocionais excessivas e muitas vezes despropositadas. Este processo só é possível se a consciência for verdadeira naquele momento evolutivo. Para mim foi muito importante entender esta postura e aprender com ela.

Não-vitimização (papel agressor-vitima)

A pacificação íntima surge quando abandonamos a postura de vítima. A partir daquele momento em que decidi que eu teria que estar à altura do desafio que tinha pela frente e mais ninguém, tudo à minha volta convergiu para auxiliar na recuperação. A minha preocupação maior era estar à altura do desafio daquele momento, que eu sabia que não era fácil. Evoluir é ultrapassar a barreira do que é que nos acostumamos a esperar até de nós mesmos. Maturidade é saber abdicar de posturas deslocadas e a não vitimização é uma medida profilática porque abre portas para outras fases de entendimento. Podemos ficar surpreendidos com os resultados.

Energia deslocada na recuperação – feedback retroalimentativo

Toda a tensão antes da cirurgia dissipou-se, a energia que sentia era canalizada para o exterior. As pessoas que me visitaram no hospital apareciam receosas do meu estado emocional e saíam bem-dispostas por me verem tranquila. Na prática, de forma natural, instalou-se um sistema reatroalimentativo ou seja eu transmitia sinceridade na postura pró-ativa e todos devolviam essa mesma energia o que ajudava muito na recuperação. Na semana que estive no hospital, apesar de ter ficado num quarto isolada nunca me senti sozinha. Todos estes acontecimentos deixavam-me motivada de que estaria no caminho certo, independentemente do futuro.

Análise do momento evolutivo

Os acontecimentos provocaram profunda reflexão porque embora estivesse ainda a passar fisicamente pelo pós-operatório sentia-me muito bem, cheia de energia. Percebia-me apoiada física e extrafisicamente também por consciências amparadoras (consciências com maior discernimento, fraternas, em outras dimensões) ampliando aquele momento evolutivo. Conseguia perceber que o processo era manter a lucidez e abertura para a recuperação e isso partiria do trabalho em conjunto. Neste processo um fator chave foi o fato de estar envolvida no voluntariado conscienciológico e saber da importância da teática (teoria e pratica) na vivência. Se aceitava o fato de ser mais do que o corpo físico, ser uma consciência multiexistencial (várias vidas) e multidimensional (várias dimensões) seria o momento de vivenciar na prática o conceito. Assim surgiram algumas condições vivenciadas:

- 1ª premissa da sobrevivência
- Compromisso com a auto-superação
- Assumir sem drama a doença como patologia
- Reciclagem das posturas intraconscienciais
- Pró-atividade e menos reatividade
- Racionalidade e discernimento
- Despersonalização da doença: anti-vitimização
- Estar aberto à afetividade sadia
- Evitação de comparações: cada caso é um caso
- Priorizar a reflexão e auto-pesquisa, registar as informações
- Perceber os insights das equipes de amparadores
- Ser mais fraterna com as necessidades das outras consciências

Auto-pesquisa e Hetero-pesquisa

Hoje passados 12 anos vejo que aquele momento de lucidez lá atrás trouxe-me muita informação. Iniciei uma auto-pesquisa dos meus traços pessoais, como foi a minha infância, aspetos do meu temperamento, doenças do grupocarma (família), qual o meu padrão de pensamentos diário. Nesse seguimento em 2006 elaborei um questionário de pesquisa de opinião pública com o objetivo de procurar pontos em comum com outras consciências que passaram pelo mesmo, colocando-o ao dispor num blog que criei para o efeito. Das respostas que obtive, algumas das conclusões preliminares mostraram que na generalidade todos vivenciaram momentos desafiantes do ponto de vista emocional entre 1 a 3 anos do aparecimento somático do cancro, alguns padrões de mágoa e tristeza acentuaram o processo e quase todas foram unânimes no facto de escrever a sua experiência no papel ter sido algo terapêutico em si mesmo. É meu objetivo em breve publicar o resultado dessa mesma pesquisa.


Sónia Raquel Ferreira tem 41 anos, com experiência em design gráfico e multimédia, é voluntária da conscienciologia em Portugal desde 1999 e membro da International Academy of Consciousness (IAC-Academia Internacional da Consciência).