domingo, 9 de outubro de 2016

Autenticidade

William Nascimento

     Existe uma variedade de instituições que frequentamos ao longo de nossas vidas: científicas, religiosas, jurídicas, governamentais, tecnológicas, comerciais, educacionais, familiares etc. Frequentemente acontece que por trás das instituições onde deveria haver pessoas, surpreende o fato de que raramente encontramos verdadeiras pessoas nas instituições, e sim papéis sendo representado de modo muitas vezes frio, mecânico e automatizado. Em muitas destas instituições podemos ver muita promoção pessoal, exibição de conhecimentos, busca por aprovação, tentativas de impressionar, se afirmar, parecer mais instruído.
       Dependendo do objetivo da instituição podemos ver diferentes maneiras de representar um papel. Neste modo de operar na sociedade acabamos perdendo o contato com aquilo que verdadeiramente somos, que é ser uma pessoa. Não estamos aqui para representar papeis, por mais variados que eles possam ser, por maior credibilidade, poder e prestígio que eles possam demonstrar.
       Você já se pegou representando um papel no qual demonstrava mais certezas e mais competência do que realmente tinha? Quem já se percebeu agindo com uma mascara ou uma fachada exterior, pode ter experimentado um desgosto consigo mesmo, um desapontamento interno, como se estivesse traindo a si próprio, não sendo autentico, verdadeiro ou transparente, de modo fiel a quem realmente é. Pode descobrir que estava  inseguro e ameaçado no momento,  buscou projetar um falso eu, afim de ser mais aceito pelo outro ou pelo grupo do qual era parte, mas a que custo?
       Por mais que seja necessário representar papéis na vida, é essencial se permitir entrar em contato com o que está vivenciando, ser genuíno. Ser verdadeiro, estar consciente do que quer que esteja se passando dentro de si é uma tarefa para toda a vida, embora seja difícil entrar em contato com o centro da própria experiência, é uma vivência muito gratificante.
     Quando o que vivenciamos num dado momento está presente em nossa consciência, e quando conseguimos expressar esta vivencia ao outro, e comunicar o que é autêntico em nós no momento em que ocorre, nos sentimos espontâneos, genuínos, vivos e o outro sente-se mais próximo e mais interessado em nós aumentando a confiança na relação. Quando reprimimos sentimentos por muito tempo eles podem explodir de forma inesperada, atacar e ferir ao outro, gerar uma ferida que pode levar muito tempo para se curar, com isso se perde um tempo precioso para reestruturar a relação.
      Se permitir ser verdadeiro com aquilo que se intenciona, sente, percebe e expressar ao outro, também permite ao outro ter objetivos, valores, sentimentos e intenções diferentes dos nossos. Deixar de se controlar tanto e se moldar conforme as situações, faz com que desenvolvamos um respeito por nós mesmos e pelo outro, aumentando o respeito pela liberdade individual de todos. Quanto mais pessoas se relacionarem como pessoas, de forma autentica maior a possibilidade de viver não como personagens, mas como essencialmente somos; humanos.

quarta-feira, 28 de setembro de 2016

Relacionar-se

William Nascimento

Antes de qualquer coisa caro leitor(a), sugiro uma reflexão para que realmente haja uma relação com este autor neste texto. Considere isto uma forma prática de entrar no complexo mundo das relações interpessoais. Por favor caro leitor, neste instante pergunte a si mesmo: Quero neste momento, dedicar o máximo de atenção que eu puder para compreender precisamente o que significa para esta pessoa o que ela quer me dizer? Note que a pergunta não se preocupa com o que o outro tem para dizer no sentido do conteúdo, e sim faz referência a pessoa que vai expressar. Se prestarmos atenção apenas no que é falado, ou na informação que as pessoas nos comunicam nossa relação fica superficial demais para que possamos sentir crescer um vínculo com o outro, desta forma mesmo que falemos com muitas pessoas ao longo do dia provavelmente vamos acabar nos sentindo muito sozinhos.
Vamos explorar um pouco mais a pergunta feita no inicio deste texto, com a palavra quero, não dou margem a nenhuma inautenticidade da minha parte, se eu realmente quero isto é uma escolha que fiz, como cada escolha é uma renúncia, neste momento é decidido deixar de lado todas as outras possibilidades, eu paro o que estou fazendo então ouço o outro. O querer envolve manter e sustentar a vontade de dedicar a atenção no outro até que se cumpra o objetivo ao qual se propôs, lembra qual era? Compreender precisamente o que significa para esta pessoa o que ela quer me dizer.
Note também que a pergunta continha duas palavrinhas muito importantes: neste momento, se não houver tempo disponível, embora se queira dedicar a atenção na compreensão do outro, então marque outra hora ou outro dia mas não se relacione com o outro as pressas, ainda mais sem saber a importância e a dimensão da conversa que o outro quer ter contigo.
Agora vamos analisar nesta pergunta que fizemos a nós mesmos, o que significa compreender? Compreender não é dar direções dizendo como o outro poderia ou deveria agir, não é interpretar o que o outro quer dizer tentando dizer ao outro como representar a situação, não é tranquilizar, apaziguar ou aliviar o outro, e obviamente não é uma entrevista em que se busca dados e mais dados, e certamente não estamos falando de avaliações, rotulações ou julgamentos. Compreender tem a ver com o sentimento nos bastidores da fala do outro, tem a ver com significados e intenções que não temos acesso de imediato, a não ser que realmente busquemos com um genuíno interesse pelo outro descobrir quais são. Estes pensamentos, sentimentos, intenções e significações tão particulares que num dado momento se tornaram uma fala e que o outro nos escolheu como ouvinte, será que percebemos a importância que temos aqui-agora para esta pessoa?  Essas coisas que são ditas, que parecem tão ruins para ela, tão frágeis, sentimentais, irônicas, bizarras, cômicas, trágicas ou sem sentido e desconexas, podemos precisamente ver como esta pessoa as vê e as percebe enquanto nos fala? Mais ainda, aceitamos o que ele(a) nos diz buscando colocar-nos no lugar desta pessoa? Enquanto a ouço o desejo de continuar ouvindo se mantém ou nos voltamos para nós mesmos e devaneamos em pensamentos particulares?
            Toda esta análise feita até aqui, se resume em consideração e apreço pelo outro. Quanto maior for nossa disposição para ouvir, mais significativo e enriquecedor será nossas relações interpessoais. A relação ao qual me refiro não leva em conta o papel representado naquele contexto e naquele momento, ou seja não importa a hierarquia, se é uma conversa de pai para filho, de empregado para patrão, de cliente para vendedor, médico e paciente etc. As pessoas que experimentam uma conversa de pessoa para pessoa, em que ambas sentem uma conexão e um encontro real, experimentam também um sentimento libertador, um espaço seguro, a relação aprofunda a confiança e as defesas caem. Uma relação baseada nestas características propiciam uma experiência de ser o que se é de forma natural e sem fachadas, é libertador poder conversar com pessoas num nível em que elas não tem receio de mostrar quem elas são conosco, ter intimidade, e descobrir muito de nós mesmos em cada pessoa.
            Muitas vezes o que o outro nos diz pode não ter aparentemente nenhum conteúdo mais íntimo e pessoal. É do nosso interesse buscar aprofundar a conversa, e há recursos que podemos utilizar, por exemplo parafrasear o que é dito repetindo brevemente o que acaba de ser dito para confirmar se estamos acompanhando o raciocínio. Podemos resumir o que o outro disse com nossas próprias palavras e se certificar com o outro se era isto mesmo que queria falar. Também com a receptividade no ouvir, poder intervir dependendo do conteúdo expresso fazer o outro voltar-se para si perguntando como é que ele se sentiu quando tal fato ocorreu, como foi viver esta experiência, valorizar a experiência é um bom modo de aproximar-se mais e mais, também podemos sentir que nos perdemos na conversa e pedir que repita, que nos esclareça melhor em alguns pontos. Todas estas formas de manter o interesse ajudam na compreensão e incentivam o outro a nos fornecer dados que ultrapassam a camada superficial da objetividade e passam a comunicar num nível mais subjetivo.
            Relacionar-se envolve disposição, tentativa, erro, e treino, mas é algo que nunca vamos deixar de fazer em nossas vidas, então porque não fazer com que essas relações tenham valor para nós e para os outros? Este autor agradece pelo tempo dedicado e o interesse do leitor que pode acompanhar a leitura até aqui, que nossas relações com os outros cresçam em níveis de intimidade cada vez maiores, e que possamos transformar a nós mesmos em bons ouvintes, que no nosso modo de ser com os outros possamos conviver melhor a cada momento em cada lugar com cada pessoa.

Referências bibliográficas

Rogers, C. R. (1997)Tornar-se Pessoa. São Paulo: Martins Fontes.